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FDL - FORUM QUARTO ANO NOITE 2010/2011


    Grelha de correcção do exame de Direito Penal

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    Nuno Mira Rodrigues


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    Data de inscrição : 07/10/2009

    Grelha de correcção do exame de Direito Penal Empty Grelha de correcção do exame de Direito Penal

    Mensagem  Nuno Mira Rodrigues Qui 21 Jan 2010 - 14:29

    Caros colegas, divulgo o mail enviado pelo Prof. Curado Neves com os tópicos de correcção do exame:

    "Aí segue a correcção. Agradecia-lhe muito se, como se dispôa a fazer, publicasse esta correcção na página da turma.

    Muito cordealmente,

    João Curado Neves


    DIREITO PENAL I - TURMA DA NOITE

    Exame de frequência de 14 / Janeiro / 2010



    A primeira hipótese coloca problemas tradicionalmente tratados a propósito da aplicação da lei no tempo e no espaço, mas não se reduz a isso. A primeira questão a resolver é a de saber se os tribunais portugueses têm jurisdição, isto é, competência internacional, para conhecerem do caso. Esta questão encontra-se regulada nos artigos 4º e 5~do Código Penal, ainda que o proémio dos artigos não o indique.

    O caso não cabe no artigo 4º, pois o facto foi praticado fora do território nacional. Só por força do artigo 5º poderá ser o caso julgado em Portugal. Dentro do artigo 5º pode ser considerada a aplicação das alíneas b) e e). O caso não cabe na alínea b), não só por a v+itima ser, ao que tudo leva a crer, residente em Fraça, mas também por o autor do facto se não ter dirigido àquele país para beneficiar do regime penal mais favorável, só por acidente tendo encontrado a vítima. Numa interpretação teleológica, deve entender-se que este preceito só se aplica nos casos em que se pretendeu fugir à aplicação da lei portuguesa. Não se verificando issi no presente caso, aquela norma não é aplicável. Resta-nos a alínea e), que à primeira vista é aplicável:
    -o agente é português,
    -é encontrado em Portugal,
    -o crime admite extradição,
    -esta não pode ser concedida por o agente ser português.
    Dúvidas levanta a exigência de o facto ser também perseguido criminalmente no local onde foi praticado. Acontece que o facto é punível em França no momento da sua prática, mas à data do (eventual) julgamento já não o é. à primeira vista, tal excluiria a competência dos tribunais portugueses, uma vez que também as leis estrangeiras chamadas a ser aplicadas pela lei portuguesa estão sujeitas à regra da retroactividade da lei mais favorável. Mas este princípio não tem necessariamente aplicação no presente caso; o artigo 5º refere a lei da prática do facto, não para a mandar aplicar, mas para verificar se esta incrimina o facto imputado ao agente. A razão de ser deste requisito é evitar a punição de alguém que em rigor não praticou um crime, pois o acto era permitido no local da sua prática. Colocada a questão nestes termos, a resposta mais plausível é a de que, para efeitos da alínea e), o facto era pun+ivel no momento e na data em que foi praticado. Mas, mesmo que se opte por esta solução (devidamente fundamentada) o resultado prático acabará por ser equivalente à solução oposta, como se verá de seguida.

    Quanto à lei aplicável (portuguesa ou estrangeira), temos que partir do princípio de que os tribunais criminais portugueses, por via de regra, só aplicam a lei portuguesa. Verifica-se aqui, contudo, uma excepção, prevista no nº 2 do artigo 6º. À data do facto a lei do local da sua prática era mais favorável ao agente do que a portuguesa, e continuou a sê-lo. Todavia, entre a data do facto e a do seu possível julgamento o facto deixou pura e simplesmente de ser punido. no local da sua prática. Coloca-se aqui uma dúvida. O nº 1 do artigo 6º prevê expressamente o caso de a lei ser mais favorável, mas não o de a lei não punir, pura e simplesmente. Mas a razão para esta redacção é óbvia: não sendo o facto punido no local da sua prática, presumiu o legislador, logo o artigo sobre competência excluirá a punição do facto em Portugal. Contudo, o princípio que enforma o artigo 6º, nº 2, deve ser interpretado at+e às suas con~sequências lógicas: se é aplicável a lei mais favorável precisamente por ser mais favorável, por maioria de razão se o regime mais favorável for a não punição, é este também que deve ser aplicável.

    Em conclusão: seja por via da incompetência por força da não punição no local do facto, seja por via da aplicação do regime mais favorável, A não pode ser punido em Portugal.


    II


    A segunda hipótese respeita a uma questão de tipicidade objectiva, mais especificamente de imputação objectiva do resultado-

    Antes de mais, há que identificar o tipo de crime em causa. Uma vez que se fala, essencialmente, da morte de alguém podemos apontar para um crime de homicídio. Poderia (deveria) ainda especificar-se que tudo indica tratar-se de um homicídio negligente, mas tal questão não se coloca pois se trata de mat+eria não leccionada. Para verificar se há realmente um homicídio convém decompor o tipo de crime nos seus elementos, a saber:
    -a verificação da morte de uma pessoa,
    -a prática de um acto adequado (ou idónio, ou susceptível) a causar a morte (ou um acto que acarreta risco de morte),
    -relação de causalidade entre o acto referido e a morte
    -imputação do resultado, nas circunstâncias concretas em que se verificou, à acção do agente.
    O primeiro dos requisitos indicados não depende apenas da verificação da adequação (num juízo de prognose póstuma um indivíduo experiente e inteligente dirá que numa operação desta natureza, sobretudo se não forem observadas importantes regras sobre a desinfecção do material, existe sempre um risco significativo de morte, ou seja, é previsível que a acção conduz à morte. É também necessário ter consciência ter presente que há uma situação de risco permitido (matéria não leccionada:o art. 150º autoriza as intervenções m+edico-cirúrgicas); todavia o agente transcendeu esse risco com a violação da regra de cuidado. Com isto podemos dizer que o acto do agente preenche um elemento do tipo. Passo seguinte é o de verificar se existe uma relação de causalidade entre a acção e o resultado. Este aspecto específico deve ser resolvido de acordo com a teoria da condição, ou da equivalência das condições, que dá resposta afirmativa à questão: foi o conjunto de actos praticados pelo agente que desencadeou o processo que levou à morte; por outras palavras, vários (muitos) actos do médico foram condição da verificação do resultado; se o médico não tivesse agido a vítima não teria morrido, pelo menos naquelas circunstâncias.
    A ~causalidade representa apenos uma parte dos problemas de imputação objectiva. Há outro elemento a verificar, saber se aquele resultado específico, nas condições em que surgiu, corresponde ao juízo de adequação que leva a considerar a acção como típica. Para responder a esta questão procede~-se ao 2º ju+izo, ou juízo concreto de adequação. Agora não se pergunta em geral se o acto era adequado a causar a morte, mas concretamente se era adequado a causar a morte tal como se verificou. A resposta também é positiva: o acto era adequado a causar a morte porque o uso de instrumentos infectados pode provocar infecções noutras áreas do corpo, nomeadamente uma infecção do sangue. Como foi precisamente isto o que aconteceu, podemos dizer que o resultado é consequência da adequação do acto, ou que o perigo contido no acto se concretizou no resultado. Nestes termos o resultado pode ser imputado à acção, verificando-se pois (objectivamente) um crime de homicídio (negligente) consumado.

    Mas o caso ainda não está totalmente resolvido pois há um grande número de autores que entendem que em certos casos é necessário ainda efectuar um juízo hipotético sobre alternativas de comportamento do autor. Coloca-se aqui o problema das denominadas situações de comportamento lícito alternativo. Estas surgem quando -- como já vimos acontecer aqui -- o resultado surge como concretização do perigo que já tinha sido vaticinado, mas se vem a revelar que, mesmo que o agente se tivesse comportado devidamente, não infringindo as regras de cuidado que não respeitou, o resultado, segura ou possivelmente, se teria, ainda assim, verificado. A questão pode colocar-se nesta situação, uma vez que o texto indica que mesmo que o médico tivesse procurado, como devia, substituir os instrumentos infectados, não é certo que o resultado deixaria de se verificar. A este respeito surgem, fundamentalmente, 3 teorias. A teoria tradicional (que já não é maioritária), chamada da conexão de risco ou conexão de iliciture (Rechtwidrigkeitszusammenhang) afirma que qualquer dúvida deve ser resolvida em benefício do réu. No caso em apreço, e dado que instrumentos infectados foram misturados com os desinfectados, não se sabe se caso o médico, como devia, tivesse pedido novos instrumentos, lhe fossem entregues os indicados ou outros infectados, pelo que não é possível saber que instrumentos seriam entregues ao médico, sendo possível que lhe fossem entregues instrumentos infectados que conduziriam da mesma forma à infecção que levou à morte do doente; perante esta dúvida, diz a teoria, teria que ser aplicado o princípio constitucinal da presunção de inocência do arguido e o médico devia ser absolvido. Para a teoria do aumento do risco esta dúvida não se coloca. Perante uma situação em que a vítima morreu, mas se não sabe se o mesmo aconteceria caso o médico tivesse pedido novos instrumentos, verifica-se que de um risco incerto de morte (se o médico tivesse agido devidamente) se passa para um risco certo de morte (porque o médico não pediu novos instrumentos e o paciente contraíu a inflamação e morreu). Mas, ainda para a teoria do aumento do risco, se houvesse a certeza de que o doente morreria de uma forma ou outra teria que se afirmar que não houve aumento do risco, porque o resultado seria o mesmo. Para a teoria do concurso de riscos, ou de modelos de perigo, as duas outras teorias sofrem de uma petição de princípio, porque ambas afirmam que o autor do facto não responderia pelo crime caso se concluísse que a vítima morreria de qualquer maneira. Ambas as teorias dizem que neste caso o agente não aumentou o risco (ou não o provocou), e tal significaria que a vítima morreu de forma inevitável, pelo que não foi o acto que praticou indevidamente (ou negligentemente, ou em violação de deveres de cuidado) que levou à realização do resultado. Este ponto de partida é errado, porque na verdade foi o acto do agente que levou ao resultado. Quando se diz que a vítima morreria na mesma se o autor do crime tivesse respeitado os deveres a que estava sujeito tal só significa que havia outro risco que provocaria o resultado se o agente não tivesse agido licitamente. Com isto, o problema revela-se essencialmente idêntico ao da causa virtual. Explicando-o de outra forma: há vários riscos que ameaçam a vítima; na hipótese em apreciação, há o risco de o médico não pedir para lhe serem dados instrumentos desinfactados para passar à fase seguinte da intervenção cirúrgica, e o risco de que, caso o tivesse feito, respeitando os deveres a que estava sujeito, lhe fossem entregues ainda assim instrumentos infectados, devido à falta de cuidado do enfermeiro. Ora, não é possível confundir o que realmente aconteceu com o que poderia ter acontecido. Cada pessoa deve ser responsabilizada em função das consequências dos seus actos e não da hipótese, que não se verifica no caso concreto, de a vítima padecer em consequência de falta de terceiros -- o que, de todo em todo, não teve lugar. Para esta teoria o que interessa para saber se o acto abstractamente adequado a provocar a morte, praticado pelo médico, se concretizou numa morte devido especificamente ao acto adequado a causar a morte e não a circunstâncias que, por acidente, tiveram lugar na mesma altura.
    Todas as teorias são presentemente defendidas, pelo que se não exige do examinando que defenda uma ou outra, mas que faça uma õpção que reflicta o conhecimento da matéria e a capacidade de oferecer opções em função do bom uso desse conhecimento."

      Data/hora atual: Sex 26 Abr 2024 - 12:52